sexta-feira, 25 de abril de 2008




Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania.

domingo, 20 de abril de 2008

Estrela da Manhã


Você irá desculpando as faltas, que eu por meu lado irei tentando me adaptar aos seus gostos. Quem sabe se apesar de todas as diferenças alegadas temos uma porção de coisas em comum?
Vez por outra hei de lhe desagradar, haveremos de divergir; ninguém é perfeito neste mundo e não sou eu que vá encobrir meus senões. Tenho as minhas opiniões obstinadas - você tem pelo menos cem mil opiniões diferentes - há, pois, muito pé para discordância.
Mas quando isso suceder, seja franco, conte tudo quanto lhe pesa. Ponha o amor próprio de lado, que lhe prometo também não fazer praça do meu. Lembre-se de que há um terreno de pacificação, um recurso extremo, a que sempre poderemos recorrer: fazemos uma trégua no desentendimento, procurando esquecer quem dos dois tinha ou não tinha razão; damos o braço e saímos andando por este mundo, olhando tudo que há nele de bonito ou de comovente: os casais de namorados nos bancos de jardim, o garotinho cacheado que faz bolos na areia da praia, a luz da rua refletida nas águas da baía, ou simplesmente o brilho solitário da estrela da manhã.
Depois disso, não precisaremos sequer de fazer as pazes; nos seus cem mil variadíssimos corações, como no meu coração único só haverá espaço para amizade e silêncio.
Há anos sei que é infalível o resultado da estrela da manhã.

Uma análise.


É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem sabe ver...

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Crônica do Amor.


"Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim, você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor? Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa."

Arnaldo Jabor


[Não poderia deixar de colocar uma crônica do Arnaldo Jabor.]

Nota:




"Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, porque não sonhar os meus próprios sonhos?"(Fernando Pessoa)

AQUI


Ah! Daqui eu vejo o mar pela janela
os pássaros com cores de aquarela
e o verde azulado desse mar
os índios moram no final da trilha
Vou ver o sol nascer atrás da ilha
e a ilha vai me ver amanhecer
eu deixo a brisa quente me abraçar
com as ondas eu aprendo outra canção
E deixo o mar molhar meu coração
a areia branca vai me temperar
a vida por aqui é tão mais bela
eu posso ver o mar pela janela

Ah! Aqui o tempo voa devagar
o dia não tem pressa de passar
eu vejo o sol se por lá nas montanhas
e o tom quase magenta entardecer
Estrelas trazem outro anoitecer
e quando elas caem de repente
aqui da praia faço meus pedidos
que eu tenha esse lugar por toda a vida
e quando a cantoria for ouvida
um novo dia vai amanhecer
mas muito ainda tenho pra cantar
Aqui o tempo voa devagar

Ah! Os cães vão me seguindo à beira-mar
a chuva pode vir de algum lugar
e se chover eu deixo ela cair
e encharcar meu corpo à vontade
E se eu fosse dizer toda a verdade
na hora em que eu ligasse pra cidade
Diria que aqui vai tudo muito bem
e que a saudade pode me matar
Mas mãe, acho que aqui é meu lugar
eu conheci pessoas divertidas
não quero nem pensar em solidão
aqui o mar lavou meu coração...

'Dum' tipo.


Sou dos escritores que não sabem dizer coisas inteligentes sobre seus personagens, suas técnicas ou seus recursos. Naturalmente, tudo que faço hoje é fruto de minha experiência de ontem: na vida, na maneira de me vestir e me portar, no meu trabalho e na minha arte. Não escrevo muito sobre a morte: na verdade ela é que escreve sobre nós - desde que nascemos vai elaborando o roteiro de nossa vida. O medo de perder o que se ama faz com que avaliemos melhor muitas coisas. Assim como a doença nos leva a apreciar o que antes achávamos banal e desimportante, diante de uma dor pessoal compreendemos o valor de afetos e interesses que até então pareciam apenas naturais: nós os merecíamos, só isso. Eram parte de nós. O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância. Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes. A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura. Às vezes é preciso recolher-se

Um Momento.


"... hoje tive vontade de sentar na calçada da rua Augusta e chorar,mas preferi entrar numa livraria,comprar um caderno lindo e anotar sonhos" (Caio Fernando Abreu)

domingo, 13 de abril de 2008

A DOR QUE DÓI MAIS

Trancar o dedo numa porta, dói. Bater com o queixo no chão, dói. Torcer o tornozelo, dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dói. Bater a cabeça na quina da mesa, dói. Morder a língua, dói. Cólica, cárie e pedra no rim também doem. Mas o que mais dói é saudade. Saudade de uma pessoa que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade de um querido que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Dói, essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o escritório e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua com problemas de anemia, não saber mais se ela continua fazendo luzes no cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu, não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango assado, se ela tem assistido às aulas de inglês, se ele aprendeu afazer uma redação, se ela aprendeu a dirigir, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo suco de laranja, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando Ballet, se ele continua surfando, se ela continua lhe adorando. Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música (daquela música), não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ele esta com outra, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ela está feliz, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ela está mais magra, se ele está mais belo.Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Minhas marcas


Eu tenho marcas sim, não escondo, sou de carne e osso. Sou feita de pó, mesmo. Tem maquiagem, sim. Não é máscara não, nem segredo, nem esconderijo, nem fuga, é condição. Surpresa, mistério, beleza da contradição. Marcas, minhas. Coisas que o tempo fez, cicatrizes que a vida fez, que eu mesma fiz, e que me fizeram, eu deixei que fizessem. Moldei-me, hoje elas me fazem melhor. Foi o preço que paguei, tive que pagar. E gosto disso, talvez. Faz-me tão mais forte! Que não abro mão disso, sobretudo de mim.
Ah, mas não se assuste com isso, amor, por favor.
É tudo tão frágil, pode desmoronar com um sopro.
Meiguice também acaba, é de açúcar. Mas continua doce, veja só. Veja bem, meu bem, mesmo que isso não sare, melhora.

"Meu caminho nesse mundo, eu sei vai ter um brilho incerto e louco dos que nunca perdem pouco, nunca levam pouco, mas se um dia eu me der bem vai ser sem jogo"

domingo, 6 de abril de 2008

Espelho


O espelho nos dá uma sensação mágica de, subitamente, tomar consciência de si mesmo. É o momento que você se encontra com o que você representa para o mundo. “Ah então é assim que eu sou.” Repare que em frente do espelho, a gente sempre faz uma careta. É porque achamos que somos diferentes daquilo que realmente somos. Então, a principio, não acreditamos muito naquela imagem. Até achamos graça. Depois a examinamos direito, e viramos de perfil, de costas, mexemos o cabelo e dizemos: “olá, como vai?”. Espelho sempre foi uma coisa importante na minha vida. Eu adoro me ver no espelho, apesar de sentir certa vergonha se houver outra pessoa do lado. Em banheiro de rodoviária, por exemplo, sempre finjo que estou espremendo uma espinha, quando quero me olhar por mais tempo no espelho. Sempre que vou a uma festa e estou bêbado ou chapado, me tranco no banheiro e fico horas chorando de rir na frente de um espelho: “olha lá você, danada. Está doidona”. É engraçado como eu me estudo minuciosamente frente ao espelho. Presto atenção aos detalhes: “essa mecha de cabelo está feia, passo ela pra cá, e assim ta melhor”. Acontece que ninguém percebe a mecha corrigida, isto é, pra maioria das pessoas tanto faz se ela está de um lado ou de outro.