quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Eu nem te amo


Preciso me aliviar. Mas dou até risada porque acabaram os caminhos. O mundo não suporta mais esse meu não amor por você. Meus amigos espalmam a mão na minha cara e já vão logo adiantando que se eu pronunciar seu nome, eles vão embora sem nem olhar para trás. Remédios só me deixam com um bocejo químico e a boca do estômago triste, mas não tiram você do meu coração. E escrever, que sempre foi a única coisa que adiantava para os dias passarem menos absurdos, já se tornou algo ridículo. Escrever sobre você de novo? De novo? Tenho até vergonha. Nem eu suporto mais gostar de você. E olha que nem gosto. É como se o mundo inteiro, os ventos, as ondas do mar, os terremotos, as criancinhas peladinhas brincando de construir castelinhos na areia , os carros correndo nas estradas, os cachorrinhos meditando nas gramas de todos os parques do mundo, a chuva, os cartazes de filmes, o passarinho que canta todo dia de manhã na minha janela, a torta de palmito na geladeira, a minha vizinha louca que briga com o gato na falta de um marido, um cara qualquer com quem eu dormi (e todos eles parecem qualquer quando não são você). E no meio da noite, quando eu decido que estou ótima afinal de contas tenho uma vida incrível e nem amava mesmo você, eu me lembro de umas coisas de mil anos e começo a amar você de um jeito que, infelizmente, não se parece em nada com pouco amor e não se parece em nada com algo prestes a acabar. Lembro da sua jaqueta jeans surrada e do seu cabelo cheios de cachos, do cheiro que você tem bem no centro da nuca, do gosto amargo de menino que tem pressa de tomar banho que você tem bem no fundo da orelha. E lembro da primeira vez que eu te vi e te achei meio chato, estranho. Até que você me suspendeu no ar por razão nenhuma eu tive certeza que meu filho nasceria um pouco chato, mimado e estranho. E então, no meio da noite, enquanto eu penso tudo isso, eu pergunto ao mundo todo que não agüenta mais esse assunto. Ao mar, às criancinhas peladas, aos cartazes de filmes, ao passarinho, à vizinha, aos cachorrinhos em meditação, à torta, aos carros, à qualquer um...eu pergunto: por que é que vocês todos estão tão cinza? Por que é que vocês não me ajudam? Por que é que todos vocês também ficam tão tristes quando ele vai embora? Por que é que todos vocês também morrem quando ele vai embora? Por que é que todos vocês também amam ele?
(Tati B.)

Nenhum comentário: