Martinho JuniorNum desespero eu pedi sua mão em casamento. Sim, é preciso que você saiba disso tudo. Nunca passou de um desespero, não sei bem por que: medo da solidão talvez, ou quem sabe, querer possuí-la: por possui, assim como um tênis ou um CD. Mas provavelmente por medo, de supetão, você negou, disse que eu estava delirando e que, com poucas semanas de relacionamento – nem sequer um namoro, era um absurdo tanto a pergunta como uma resposta a ela. O esquisito é que você esmoreceu e um mês depois, recebi um pequeno bilhete com seu cheiro, escrito com aquela sua caneta que você adorava. Tratava-se de um jogo de palavras, uma espécie de quebra-cabeça, uma vez montado, lia-se: “SIM”. Não escondo, assumo que gostei das armadilhas frasais criadas por você naquele bilhete, fiquei entusiasmado, até apaixonado. De fato, um mês foi muito para mim, já não tinha a empolgação “das poucas semanas” do início. Conhecendo-me, eu acredito que manteria meu ímpeto se você tivesse aceitado, se esse “SIM” tivesse vindo naquele momento. Foi a minha vez de fraquejar, aceitei.Deste momento em diante, eu vivi para procurar um sentimento perdido “nas primeiras semanas”, que não voltou jamais: Sentia seu cheiro como antes, acariciava seu rosto perto de seu nariz, posicionava minha cabeça no seu colo, de tal maneira que tinha uma visão privilegiada de teu rosto, tudo aquilo que me fazia um bem indescritível nas primeiras semanas. Mas na verdade nunca foi a mesma coisa. Algumas mudaram para melhor, o sexo, por exemplo, ficou mais intenso, arrisco falar mais gostoso; mas você sabe bem que ter o sexo como pilar na relação sempre me trouxe desgosto e repugnância, nunca tinha sido tão pequeno, ou como está naquele verso de Augusto dos Anjos (e que você nunca gostou): “monstro de escuridão e rutilância”.Não é fácil entrar num casamento sem certeza do que se sente, fui muito corajoso; ou medroso, não sei bem. Mas certeza é de que procurei cumprir o papel de marido com justeza, sem vacilar, muito diferente do que você imaginava: um garoto que precisa de muita coisa antes de se enfiar em algo “de verdade, real”. Eu sempre me considerei uma espécie de Brancaleone (isso, o da Norcia), desajeitado, confuso; mas, insistente e quando coloca algo na cabeça, complica-se para retirar. Assim fui também conosco, sempre tropeçando nas minhas madruga-dúvidas de olhos abertos, espiando você ao meu lado e procurando, com força, te amar, tudo no vazio, no vácuo, por nada. Agüentei bem, 6 anos foi muito forçoso. Estava até habituado com tudo, já nem pensava em reclamar ou te deixar, as coisas se encaixavam e não havia porque mudar. Peço desculpa se não me faço compreensível nessas letras ou se falta um objetivo claro, o que pretendo é escrever o que gostaria de ter falado, não importando com uma ordem ou certa destreza. Sinto dor, pode parecer paradoxal, por não ter você aqui, deve ser o hábito; melhor se for, assim logo consigo firmar um outro. Mas admito, os jantares feito seguido de filme e regado a vinho era algo que dava certo com você. O que quero dizer é que existem coisas que dão certas apenas em um determinado momento e com determinada pessoa; é uma velha teoria de gaveta: por exemplo, se alguém briga muito com você, uma relação de dojô, não necessariamente significa que a pessoa é chata ou briguenta, mas que, naquele momento e com você era a única possibilidade – o que, de maneira alguma, se repetiria se fosse a mesma situação com outra pessoa. Uma vez, lembro que enquanto eu escrevia de modo sistemático e atento para um jornal da faculdade, você me interrompeu! Não algo banal, mas para sexo. Entendia, pois era como se você quisesse provar para mim e, mais ainda, para você mesma, que você era mais importante do qualquer coisa, e era sempre com sexo; como quando você quis transar em cima da minha estimada coleção de gravuras (feitas por mim mesmo, do início da adolescência), obedeci, não hesitei: a prova mais uma vez estava dada. Entretanto isto com minha primeira namorada seria inaceitável, motivo para brigas eternas, infantilidades de pedir provas de amor ou de seja lá o que for. Mas com você dava certo, e posso garantir que não se tratava de amor, apenas funcionava.Você não chegou a me dar nenhuma pista, por isso achei tudo muito injusto, tudo bem que não te amasse, a não ser nas “primeiras semanas”; mas foi o fato que me deixou mais perplexo, intrigado. Foi você que me abandonou e não o contrário. Não posso aceitar, eu suportei o fardo de estar com alguém sem desejar (mesmo que por medo de fazer algo diferente), e quem termina não sou eu, há algo de errado. Já se foi uma semana, e ainda está tudo muito complicado aqui dentro não sei onde. Você chegou, com uma tranqüilidade excessiva, eu, no conforto do cotidiano, estava lendo o jornal do dia anterior, sem lançar grandes olhares, disse um “oi” superficial e voltei às tirinhas. Escutei alguns barulhos não usuais enquanto você estava no quarto, mas não dei a mínima, continuava centrado. Menos de uma hora depois você me aparece com a mala feita dizendo que não suportava uma situação parelha (lembro-me das palavras: “tá foda, não consigo mais, não dá mais”) e que voltaria a casa da mãe. Sem reação, implorei com olhos-de-te-amo lacrimejados para que ficasse, visto o insucesso, comecei a ficar mais agressivo, perguntando então o porquê de tal palhaçada. Também sem sucesso. Sinto-me como alguém que comprou um livro pela internet, pagou, e não recebeu; querendo de qualquer jeito ressarcimento. Você realmente saiu, com uma única mala e não mais atendeu meus telefonemas, na casa de sua mãe ninguém quer me dar notícias, me sinto estupidamente tolo. Formei em mim um carinho indescritível por você, ultrapassa essa coisa do amor dicionarizado, mas que ainda é muito longe do amor que, para mim, não se traduz nem com uma dúzia de dicionários; sinto falta de algo, talvez do conforto.Não tive tempo de nada, cansei de perguntar, não quero mais saber, desisti, pouco importa agora porque você saiu. Queria mesmo pedir um adeus. Mas sei que não terei, julgado e condenado como Joseph K. prossigo sem poder questionar. Assim, resolvo eu te dar adeus, um no qual posso expor o que não tive. Talvez você nem leia essa porcaria! Sei que se esta carta chegar às mãos de alguém antes de você, será jogada fora, o mesmo pode acontecer se você mesma receber. Também pouco me importa; só o fato de escrever já me tranqüiliza e expurga algumas pendências que mantinha comigo mesmo. Mando junto no envelope uma lista das coisas que não quero na minha casa, são pertences seus: até umas fotos de amigas suas insuportáveis, e seu computador velho que dá vergonha até entregá-lo à doação. Como sou tolerante, te darei duas semanas, caso não haja contato, tudo será devidamente enviado de bom grado ao lixeiro. Desculpe as palavras que você bem sabe que não fazem parte do meu cotidiano, nem o tom áspero das últimas palavras, acho que estou um tanto alterado.Ainda não te esqueci, lembro como foi bom tentar te amar, te desculpo pela besteira que fez. Um beijo e não se esqueça de suas coisas que te aguardam.